quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Bolhas

Piscou uma ou duas vezes, com dificuldade, pois seus olhos ardiam muito. Seus movimentos eram lentos, e sentia-se, pouco a pouco, sufocar. Concentrou-se. Sabia que podia reverter aquilo. À medida que o oxigênio lhe faltava, seus pensamentos pareciam ficar mais e mais densos, como todo o azul que lhe rodeava. Mexeu-se, bolhas se formaram, pequenos seres coloridos se moveram.  Cada detalhe lhe parecia importante, então decidiu observar:
Duas pedras pequenas e polidas, cobertas de musgo, algumas algas verdes, de uma textura diferente; esponjas, corais, pedras, um amontoado de cores, alguns poucos peixes passando sozinhos e, a uns palmos, um monte deles, num cardume pontilhado de prateado.
Ao longe, sombras; acima, raios de sol, muito, muito distantes; abaixo, apenas areia, ora macia, ora áspera, ora rocha, além daquelas pequenas plantinhas - ou, sabe-se lá, seriam daqueles seres de nomes confusos? Amaldiçoou-se por não saber ao certo.
Olhava e sentia-se parte daquilo; estranhamente, percebeu, já não precisava de ar ou do sol lá de cima, e seus olhos ardidos já não incomodavam. Tentou mexer-se, mas desta vez não conseguiu; suas roupas pesadas o impediam, como seus sapatos, como seus bolsos cheios que lhe fizeram afundar tão rápido. Olhou seus dedos, murchos, e estendeu-os alguns centímetros adiante. Alguns segundos, e quando já nem distinguia a temperatura, rumou decidido, deixou pra trás seu corpo e foi se juntar aos outros peixes.
Respirar, mover-se - agora tudo era bolhas. 

2 comentários:

  1. Amei. Simples assim. Simples como observar alguém sumir junto a um emaranhado de perspectivas, deixando apenas o leve brilho das bolhas.

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